sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Poder da Magia Invernal



A Lusitânia sempre foi um território de inúmeras crenças e tradições. E, como em todo o mundo que, naquele tempo, seguia as Antigas Tradições, costumava-se comemorar o Solstício de Inverno com muita alegria e festa. Os últimos dias de Dezembro eram, para os Elfos, o fim de um ciclo e o início de outro. Tal como para os Necromantes. Terminava a fase de morte e definhamento do ano, iniciando-se a fase da vida e crescimento.

         O culto a Adrião e ao Deus Esquecido Palinar chamava a esta época do ano a “Magia Invernal”. Era a época do ano em que Palinar mostrava aos seus devotos que para passar as privações do Inverno era necessário união entre todos e Amor entre as comunidades.

Vivia-se a “Magia Invernal” do ano de 1632 da Era da Águia Imperial, uma festa que se tornara de todos os lusitanos. E nesse tempo, como ainda hoje, existia um poderoso Mago, Nicolaveu, que entregava presentes a todos os seres bons do mundo, na noite da “Magia Invernal”. Nesse ano, Nicolaveu tinha vindo à Lusitânia, acompanhado por Cêpêniar, o Caminhante de Barbas, seu amigo. Tinham-se conhecido uns anos antes, durante as deambulações do Caminhante de Barbas pelo Eural.

         Era a primeira vez desde que tinha partido, que o Caminhante de Barbas voltava à Lusitânia. Ele e Nicolaveu traziam um presente muito especial, para uma criança muito especial também. Traziam o Sagrado Prisma da Vida, oferta do Espírito da Floresta Negra e da própria Senhora de Alcamé a AtiryAtir, filha de Yedalyn e de Vicarius Grovius.

AtiryAtir era uma Princesa Elfa que tinha nascido há cinco anos, representando a união dos Necromantes com os Elfos do Sul. Tal como todas as Damas Elfas, Filhas de Alcamé, AtiryAtir vivia intrinsecamente ligada à Mãe Natureza, e era de mau pressagio se algo de mal ocorresse ao seu presente, enviado pela própria Deusa do Elfos.

Valadia, a Senhora da Traição, sabia disso. A ditadora da Lusitânia não poderia deixar que chegasse às mãos dos Elfos tão precioso artefacto, muito menos deixar que a bênção da Senhora de Alcamé se concretizasse. Ao saber da entrada de tão poderosos magos na Lusitânia, trazendo com eles o Sagrado Prisma da Vida, Valadia não perdeu tempo. Montando em Blacus, o seu dragão negro de confiança, encetou viajem até uma gruta perdida nas montanhas do Norte da Lusitânia. Descendo do dorso de Blacus de forma imponente e majestosa, Valadia aproximou-se da entrada da gruta, onde se escondia o maior segredo dela.

– Ladenia! Apresenta-te imediatamente! – Disse rispidamente Valadia.

Valadia encontrava-se numa gruta em que só ela podia entrar, devido ao seu poder mágico. Lá dentro, aprisionada, encontrava-se a sua secreta e misteriosa filha. Apenas Tonotomon, Senhor do Fogo e irmão de Valadia, sabia da existência de Ladenia.

A gruta não era propriamente uma gruta de urso ou de qualquer animal selvagem. Era um autêntico palácio, em que, através de artes mágicas, nada faltava à filha secreta de Valadia. Ladenia levantou-se de uma poltrona, onde se encontrava entretida, a ler um livro de magia, antes de a mãe chegar.

Ladenia era linda. Apesar de já ter mais de trinta anos, esta Meio-Demónia apresentava um ar infantil de jovem adolescente, e não era por causa da magia reinante, mas antes pelo cruzamento de duas raças diferentes. Ladenia sabia que era bonita e sabia que tinha um poder imenso.

– Que quereis, minha mãe? Decidiste, por fim, vir passar algum tempo comigo? – Perguntou Ladenia.

– Deixa-te de lamúrias e prepara-te para partires em missão. Tens que interceptar dois Magos. Nicolaveu e o Caminhante de Barbas. Trazem uma prenda para a coisinha irritante da Princesa dos Elfos do Sul e eu quero esse artefacto. Tens habilidade suficiente para isso. Não tens que os aniquilar, tens apenas que esperar que parem para descansar e, durante a noite, com toda a discrição, roubares-lhes o artefacto. – Disse-lhe Valadia, friamente.

– E que artefacto é esse, que tanta cobiça te dá? Alguma coisa de interesse, que valha a pena eu sair da clausura a que tu me condenaste? Há uns bons meses que não vinhas cá. No início, eram todos os dias, a treinares-me na magia e na arte de roubar. Depois, quando fiquei adulta, deixaste de vir. Apareces esporadicamente, apenas para me enviar nas tuas missõezinhas e nos teus servicinhos. Por ti, já matei, já roubei, já espionei, inclusive fiz aquilo que tu sabes e que eu mais odeio em mim. E hoje, que está um frio desgraçado lá fora, vens-me pedir para eu ir roubar um artefacto. O Sagrado Prisma da Vida, não é? – Disse-lhe Ladenia.

Valadia, ao ouvir a última frase, arregalou os olhos e sentiu que tinha sido descoberta, não querendo acreditar que a sua filha já lhe conseguia ler os pensamentos. Mas foi momentânea, a expressão de pânico no seu rosto. Recuperando a postura de altivez e maldade, a Senhora da Traição não se deixou impressionar pelas acções da sua irreverente filha.

– Andas muito saídinha da casca, tu. Estou a ver que vais voltar a passar uma temporada com o teu tio Tonotomon. E olha que ele não vai ser tão brando desta vez. Deixa-te de ideias, que eu quero o Prisma na minha mão, amanhã de manhã. Está lá fora o Blacus, que te guiará nesta missão. – Disse-lhe Valadia, virando-lhe costas. Depois de alguns passos, virou-se para trás e acrescentou mais uma coisa. – E não penses em fugir. O Blacus arrasa-te num instante.


***


Nicolaveu e o Caminhante de Barbas estavam a sobrevoar as Montanhas Gual, sentados no trenó alado do primeiro, quando viram no horizonte uma silhueta hedionda.

– Ai, meu velho Nicolaveu. Acho que temos chatices. Cheira-me que a nossa vinda à Lusitânia foi comunicada aos inimigos da Aliança dos Povos Livres. – Disse o Caminhante de Barbas, ao mesmo tempo que se levantou e se segurou ao enorme volume de presentes que estava atabalhoadamente arrumado nas traseiras do trenó.

– Cêpêniar, creio que esta viagem ainda vai acabar mal. – Disse-lhe Nicolaveu, agarrando-se firmemente às rédeas do trenó. – Ó pá, tu sabes bem que eu não posso usar o meu poder para acções de violência. Toma. – E, tocando no braço do Caminhante de Barbas, abençoo-o com uma aura de magia, paz e amor.

– Deixa estar, irmão. Cá nos desenvencilharemos. – Tranquilizou-o o Caminhante de Barbas.


***


Ladenia não estava a cumprir o que a sua mãe lhe pedira, apesar dos protestos do dragão negro. Estava a ser tudo, menos discreta e não via qualquer utilidade em esperar pela noite, quando podia abordar logo ali as suas presas e destrui-las. Ladenia não se preocupava nada com o que quer que a mãe lhe dissesse. Em pequenina e em jovem, era uma vassala dos caprichos da mãe. Agora, Ladenia queria o Sagrado Prisma da Vida para si. O poder de traição da mãe também lhe corria nas veias.

Em poucos segundos, Ladenia aproximou-se do trenó alado e fez um voo rasante.


***


– Viste o que era? – Perguntou Nicolaveu ao seu amigo, que se encontrava agachado, em cima do monte de presentes e preparando-se para lançar um feitiço qualquer.

– Um dragão negro, com um cavaleiro todo vermelho, com a cara tapada. Isto não é obra de Bracamon. Isto tem antes dedo da Valadia. – Respondeu-lhe o Caminhante de Barbas.

– Porque dizes isso, irmão?

– Porque Bracamon teria mandado uma esquadrilha imensa de dragões vermelhos, montados pelos seus ases Orc’s. Um só indivíduo vir atacar dois pobres velhotes que trazem um poderoso presente para uma princesa elfa??? Obviamente que a Valadia quer o Prisma. – Respondeu-lhe o Caminhante de Barbas, troçando um pouco.


***


Ladenia, ao ter feito o voo rasante, pretendia que as suas presas se despenhassem. Não tendo isso acontecido, descreveu uma volta no ar e, virando-se para o trenó alado, ergueu a mão, de onde começou a surgir uma enorme bola de fogo. Quando essa bola ficou completamente formada, arremessou-a contra o trenó, surtindo o efeito pretendido. O trenó despenhou-se no solo nevado de um pequeno planalto das Montanha Gual, desaparecendo por baixo do manto branco. Só ficou à mostra um pequeno gorro vermelho de Nicolaveu.

Ladenia obrigou Blacus a descer e, quando estava perto do local onde se encontrava o trenó despedaçado, saltou do dorso de Blacus, fez três mortais no ar e aterrou junto do gorro de Nicolaveu. Começou a vasculhar na neve, sem resultado aparente.

– O Prisma? Onde está o Prisma? – Dizia Ladenia, de forma ofegante.

Nisto, estando distraída, não reparou no amontoado de neve que se deslocou atrás de si, de onde saiu, num salto, o Caminhante de Barbas. No ar, agarrou no seu cajado e atingiu Ladenia na cabeça, com a força necessária para a deixar momentaneamente inconsciente. Quando aterrou, o Caminhante de Barbas olhou para o céu e viu o dragão negro a fazer um voo picado em sua direcção. Num ápice, o Caminhante de Barbas lançou a sua explosão cósmica, um feitiço poderoso que irradiou do seu cajado, que fez com que o dragão negro fugisse assustado. Depois, o Caminhante de Barbas viu Nicolaveu levantar-se debaixo do manto de neve, queixando-se pela milionésima vez das costas, desde que a viagem começara, sinal de que estaria tudo bem com o velho feiticeiro. Então, o Caminhante de Barbas retirou a máscara do rosto de Ladenia e tocou-lhe com a palma da mão na testa. Nisto, saltou um gemido, olhou para Nicolaveu e para Ladenia, ficando bastante alarmado com algo que sentira ao analisar a sua estranha atacante.

– Estou a ver, Cêpêniar. Essa jovem tem um sério problema. E é pena não saber ela toda a verdade. – Disse-lhe Nicolaveu.

– Pois é, irmão. Mas creio que um dia, ela saberá fazer a escolha acertada. E nesse dia, meu velho, o mundo mudará. – Disse, por seu lado, o Caminhante de Barbas.

Nicolaveu ergueu as mãos ao céu e olhou, com desânimo, para o seu trenó destruído.

– Que pena. Um trenó tão bom. Olha, que se lixe. – Disse Nicolaveu. Depois, dizendo umas palavras mágicas secretas, fez desaparecer os destroços do trenó e aparecer um trenó novo.

– Ao menos, desta vez, podias ter feito um trenó coberto. – Disse-lhe o Caminhante de Barbas, rindo.

– Qual quê? Adoro estes modelos descapotáveis. Faço furor com este trenó assim.

– Pois. Mas quem se constipa sou eu.

Passadas algumas horas Ladenia viria a acordar. Não viu ninguém. Furiosa, viu assim escapar o Prisma. Levantou-se, pronta para procurar a pista das suas presas. Ao levar as mãos aos bolsos encontrou num deles uma carta que dizia:

“Um dia, serás livre do poder nefasto da tua mãe. E irás encontrar amigos e pessoas que te darão o afecto que te falta. Renega aos poderes demoníacos, e serás livre. Hoje, à meia-noite, procura um cofre debaixo da primeira árvore que encontrares. Lá dentro, encontra-se um presente para ti, desta maravilha que é a Magia Invernal. Foste tocada por ela.”


Fim

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! Bom trabalho, gostei muito. Feliz Natal :)

Night's Child disse...

Obrigada. E ainda bem que gostaste. Feliz Natal!